“Não existe o principe encantado”. Essa é uma frase que ouvimos e dizemos sempre, no entanto, nunca dita de forma racional, de alguém que avaliou os fatos e concluiu algo, mas sempre carregada de ressentimento e desesperança daquele que, no fundo, espera estar errado, para logo ouvir o relinchar do cavalo branco a virar a esquina. Assim, mesmo após milhares de anos da inexistência de cavalheiros, ainda esperamos para que um invada nossa janela e nos resgate de uma vez.
E a prova disso, é o estrondoso sucesso dos “galãs modernos”, os protagonistas das histórias românticas que estão apaixonando milhares de moças ao redor do mundo inteiro, arrecadando bilhões em livros e filmes. Somente Christian Grey, o galã do best seller “50 tons de cinza”, rendeu mais de 95 milhões para sua autora. E isso só evidencia o poder de sedução desses mocinhos. Porém, não é difícil perceber que desde o principe Eric com seu cavalo branco, muita coisa mudou no perfil do protagonista; Não temos mais o cavalo, agora são ferraris vermelhas; nem o famigerado castelo, e sim, a mansão em malibu, mas, acima de tudo, já não temos mais o herói que salva a mocinha, ao invés, ele a prende ou a espanca para satisfazer seu prazer. Afinal, o que aconteceu com o príncipe encantado?
Até que a literatura jovem começou a alcançar um público considerável e atrair produtores. “Crespúsculo” foi um grande hit mundial e abriu as portas para mais tramas adolescentes, porém, o que chamou a atenção da crítica foi a dinâmica de Bela e Edward: o mocinho apresentava um comportamento surpreendentemente dominante, protetor e obcecado, ante uma mocinha sem expressão nenhuma, disposta a dar a própria vida pelo vampiro. Submissão essa que chegou ao seu nível mais concreto no outro grande sucesso, “50 tons de cinza”, com um Christian Grey controlador, redigindo seu contrato com o chicote na mão. Isso alarmou a mídia, mas não tanto quanto os números animaram os estúdios, e então, a internet passou a ser a nova fonte de inspiração para futuros blockbusters. “365 DNI”, “AFTER”, “BARRACO DO BEIJO” e “ATRAVÉS DA MINHA JANELA”, vem sendo os sucessores exitosos dessa nova onda de romances. E todos eles têm a mesma coisa em comum: o protagonista.
Bem sucedidos, ricos e de uma beleza divina, eles possuem o poder e influência sobre todos à sua volta, inclusive sobre a mocinha, a qual procuram controlar cada aspecto de suas vidas. De perfis dominantes e agressivos, exigem extrema fidelidade, ainda que não retribuam da mesma forma e muitas vezes mostram-se alheios aos sentimentos da garota, a encarceirando ou usando-a para seu bel prazer. E aqui é o momento em que todos classificamos este arquétipo como o famoso “boy lixo”, chamamos as fãs de loucas e seguimos com a vida, certo? Mas, se analisarmos bem a questão, descobrimos algo incrível: isto nada mais é que a clássica incorporação do príncipe encantado.
Vejam, acontece que todo esse comportamento extremo sempre é explicado como a consequência de um trauma ou ferida sofrida pelo protagonista e que caberá á mulher curá-la. Ou seja, o moço infeitiçado, desta vez, não por uma bruxo, mas pelo medo de amar e pelas relações casuais, que é liberto e trazido para uma relação monogâmica, no fim, resgatando a mocinha de uma vida chata e sem propósito para uma cheia de glamour na mansão em Nova York, regada à paixão e muito sexo, focado no prazer feminino. É evidente perceber, desta forma, que o príncipe ainda e mais do que nunca perpetua o imaginário feminino, que suspira enlouquecido em cada página ou cena.
Vejam, é importante para a mulher reconhecer no parceiro a capacidade de protegê-la, mas, como o principe pode demonstrar sua coragem? Não há mais dragões a derrotar em um mundo confortável em que a mulher pode conquistar tudo, assim é que, a força e agressividade devem ser demonstradas nos gestos e na forma como ele consegue controlar todos à sua volta; Igualmente, a beleza e as qualidades chegam ao nível da perfeição, pois a mulher se atrai pelo o que admira; No entanto, em uma sociedade de forçosa igualdade, em que as diferenças são rechaçadas e o sucesso masculino é visto como uma oposição ao feminino, não há espaço para admiração, somente competitividade; Ou como perpetuar o compromisso eterno que a alma feminina anseia? Já não temos o casamento no fim do conto, hoje as relações são casuais e liquidas. O galã, então, demonstra um perfil dominante e controlador, para indicar sua posse sobre ela, preenchendo a necessidade dela de pertencimento.
Portanto, após décadas e décadas de feminismo, diversos filmes com protagonistas mulheres exacerbando seu poder e força e universidades, empresas e cargos políticos cada vez mais ocupados por elas, ainda sim, quando deixada sozinha e livre, a alma feminina demonstra que ainda sonha com o príncipe encantado. O que estes movimentos fizeram, portanto, foi apenas oprimir e confundir esse desejo, ao ponto de o misturar ás aparências de dominação e subjugamento, quando sempre se tratou apenas do mais básico anseio humano: ser amado.
E é quando enfim entendemos isso que percebemos que nunca quisemos um principe encantado, somente alguém que goste de nós de verdade e nos aguente nos momentos difíceis, não alguém que nos tire da torre, mas que nos resgate da tristeza para nos levar à um pensamento positivo, nos encarcere dentro de seu coração e mate conosco os dragões de cada dia.
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Notas
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2. Este quadro não tem como intuito rebaixar ou menosprezar qualquer autor ou obra, mas sim, de abrir um diálogo em prol da qualidade literária.
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