Imagine-se acordando em um lugar escuro. Abaixo de você, destroços de construções espalhados por todo o chão, até onde se alcança a vista. E ao redor, fortes paredes de concreto erguendo-se altas ao ponto de não se poder enxergar seu fim. E no alto, apenas um pequeno buraco. Quando de repente, sons de passos ecoam alto. E ao levantar os olhos, você se depara com uma menina. Seu vestido é rosa, costurada como de uma bailarina, os cabelos loiros presos a uma tiara e seu sorriso é aberto. Você pede ajuda desesperado. Ao que ela lhe estende a mão. "Quer brincar de um jogo?", ela lhe pergunta com voz doce. "Do que se trata?", indaga, assustado e curioso. "É o jogo de ser feliz", dispara eufórica "e só necessita que você olhe sempre para este buraco e tudo ficará bem", aponta com os pequenos braços. "Porque eu faria isso?", responde aflito. No entanto, o mesmo sorriso recebe em troca "Se você olhar para ele e lembrar que ainda pode respirar, será grato por isso todos os dias".
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Autor(a): Eleanor H. Porter Ano: 1913 |
Quem nunca ouviu falar do "jogo do contente"? Ou quem mesmo já não o tentou jogar alguma vez em sua vida? Eu já. Para os que não o conhecem, trata-se de "Pollyanna", um livro infantojuvenil famoso no mundo todo. Em que, o pai da personagem principal ensina-lhe um jeito ou melhor, um jogo com a promessa de que se o usasse o resto da vida nunca mais sofreria. E este consistia em um simples ato: ver sempre o lado bom das coisas. Pareceu-lhe familiar? Com certeza já deve ter ouvido muito isso. Na arte, televisão, livros de autoajuda, a mensagem de "ver o lado cheio do copo", das palavras positivas e dos pensamentos afirmativos constitui-se em nossa cultura como o verdadeiro cerne da chave para a felicidade. Porém, qual seriam os motivos então para, mesmo com todos os "segredos para a satisfação eterna" as mãos de qualquer pessoa hoje, vermos índices de depressão cada vez maiores e indivíduos frustrados e insatisfeitos? Mas para responder esta questão, precisamos nos perguntar o que leva o ser humano a buscar a felicidade. E o que de fato ela é.
Desde os princípios, o homem lutou por alimento, conforto e segurança. Construímos casas, fronteiras, e formamos famílias. E ao olharmos para o mundo moderno vemos que pouco ou quase nada mudou. Nós ainda buscamos as mesmas coisas. O que podemos constatar então? Estaria a felicidade nas coisas que temos? E a máxima "a felicidade não se compra", pode estar ecoando na mente de muitos agora. Mas porque então continuaríamos a desperdiçar milênios para ganhar o que não a constitui?
E o erro de quem vê nisso um desvio imperdoável de rota, está em enxergar o objeto e não seu significado. O que são as cercas, linhagens, propriedades? Nada mais que a expressão do ato intrínseco e universal do ser humano de SER. Mas não haveria entre "ter" e "ser" aquela insolúvel diferença? Outro engano. Isso implicaria em afirmar que somos algo antes de qualquer coisa. Quando na verdade o "ser" está ligado inteiramente ao que você constrói, conquista, deixa e aprende com as experiências que vivencia. São elas que nos acrescentam e adicionam a nossa personalidade suas linhas e características. Elas nos moldam a medida em que a moldamos em nós. Somos portanto, o resultado da realidade, assim como, formamos a realidade pelo o que somos.
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Título Original: Inside Out Ano: 2015 Diretores: Pete Docter, Artie Mandelberg |
E sabendo disso, não se pode deixar de notar o grande equívoco de Pollyanna como o de outras tentativas de suplantar o que é real. Em um desejo histriônico de se obter a tal felicidade, atenuam-se frases, mudam-se os significados das palavras, reprimem-se pensamentos, sufocam-se sentimentos. E ao final, o que se perde e o próprio sentido do que acontece, restando apenas pedaços de vida. O pedaço que foi escolhido como "aceitável". Assim como Joy, a "emoção da alegria" do filme " Divertida Mente ", que tinha por missão garantir que sua humana nunca tivesse lembranças e sentimentos tristes, acreditando estar protegendo-a. De forma linda e delicada, então, a trama mostra, sobre os olhos de Joy, o espanto ao deparar-se com a progressiva dissolução de todo um mundo construído em alegria e apenas pensamentos bons. Dando lugar aos tão temidos pesadelos, inseguranças e medos. Mas através de sua amizade com a emoção da tristeza ela começa a ver que os momentos bons vieram depois e mesmo por causa de todos os ruins. O que está animação nos ensina ao fim é a importância de lidarmos com quem somos, ou seja, de lidarmos com a realidade.
Ao escolhermos enxergar somente o que é bom, não negamos apenas um mundo de experiências essências para a formação humana, mas a nós mesmos. Tornando-nos escravos de frases do dia e positividades vazias que apenas nos distraem do que deveria ser nosso verdadeiro foco: SER, em sua mais crua experiência prática.
A chave para a felicidade, portanto, não está em ser conhecedor de um sistema infalível, mas sim, conhecedor de si mesmo. A partir do momento em que compreendemos nossa natureza, o que a constitui e aceitamos quem somos e o que nos cerca é que nossas inquietações cessam e podemos partir para o que realmente importa.
- A felicidade não está, ela é. Ela é você. O desvio não está em não encontrá-la, está em a procurar.
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UAU... QUE REFLEXÃO USANDO DUAS OBRAS DA ARTE...
ReplyDeletePARABÉNS!!