No refletor, um rosto belo passa seus olhos inquietos por cada traço, cada linha, - “Espelho, espelho meu, tem alguma mulher mais linda do que eu?”. Palavras tão ousadas que somente uma rainha de contos diria, afinal, nós, meras plebeias do mundo moderno nem em sonho poderíamos; Isso porque já sabemos na ponta da lingua quais são as mulheres mais atraentes que nós; As vemos em filmes, no instragram e digladiamos com elas sempre que nos olhamos no espelho, procurando a boca de uma, os olhos de outra...
Mas isso não vai muito longe; No trabalho, com aquela colega que parece que vive na academia; A outra que sempre tem tempo pra cuidar do cabelo. Como a uma linha de montagem, estamos sempre nos medindo, comparando e nos sentindo os seres mais desprezíveis por aqueles 3 cm a mais na cintura. Sim, nós não iremos adimitir, pois a insegurança é considerada um defeito também, assim, esconderemos esses sentimentos atrás de frases falsas de auto aceitação, quando por dentro, a beleza, as qualidades da outra nos atingem como um arpão, rebaixando nossa auto estima.
Da mesma forma, pior dos dias foi aquele em que o espelho deu a conhecer a madrasta a beleza de branca de neve, seu coração não pôde suportar e chamou então o caçador para dar fim a sua angústia. Sempre julgamos essa atitude como fruto de uma mente translouca, no entanto, quantas de nós nunca, mesmo que por um segundo, nos pegamos pensando que nos sentiríamos melhores se aquela modelo ou colega de trabalho não existisse?
Mas, afinal, porque a beleza do outro nos ameaça?
E muitos culpam o chamado “padrão de beleza”, Devido aos requisitos inalcançáveis propagados pelas plataformas e mídia. Porém, a questão nunca esteve em existir um ideal, em todas as eras e épocas houve um modelo de beleza vigente, mas sim, no significado que damos à ele. Diz o velho ditado que “a beleza reside no olhar de quem vê”. Mas a verdade por trás desta frase não é de que a beleza é relativa, mas que tudo o que sentimos em relação á ela e consequentemente sobre nós mesmos está, na verdade ligado ao olhar do outro.
Ao nascer, somos como um papel em branco: não temos noção de nossa função no mundo, do porquê estamos aqui e porque seríamos importantes; Quando somos recebidos com os olhares babosos de nossos pais então é o afeto deles que nos faz sentirmos seres amados e nos dá a sensação de pertencimento á esse mundo. Ao desenvolver da vida, o ser humano é confrontado com outros olhares que o dizem sobre sua competência, personalidade, atração física e seu papel em sociedade e tudo isso constrói a forma como nos enxergamos. Até que, com a maturação, chega o momento em que essa construção está completa: o indivíduo já possui suas próprias crenças e ideias e passa a se auto afirmar por si só.
O problema é que vivemos em uma sociedade em que este processo está cada vez mais extinto, pois fruto de famílias desestruturadas e sem amor, os indivíduos crescem carecendo desse sentido de importância. O que acontece é que entram em uma busca constante por validação para preencher uma auto estima nunca existente e é quando deparam-se com o mito da beleza: nas propagandas, clipes, filmes, pessoas bonitas esbanjam carisma, encantam o público e exercem fascinação e isso faz com que pensemos que a beleza traz a garantia da felicidade e apreciação.
Ouvimos desde sempre que às pessoas belas é dado o mundo; Mas, é fácil dizer isso olhando uma modelo, cujo o trabalho é vender sua imagem, no entanto, já ouviram falar de um engenheiro que foi empregado por ser bonito? Ou de uma atriz que ganhou o oscar por ser a mais boazuda de hollywood? Não. É claro que ser belo nessas ocasiões é um extra, e com certeza ajuda para destacar-se, mas ser bonito em si não o ajudará se o prédio desmoronar ou se sua atuação for mais canastrona que a da G-kay. Jade Picon que o diga! Logo o reconhecerão por quem é e toda a fachada cairá por terra.
Da mesma forma, dizem que a beleza conquista a sorte no amor, sim, a atração é o primeiro passo em um relacionamento, mas, com o tempo, é sua personalidade que irá emergir e se ela não for agradável nenhum casamento terá sucesso. É loucura para muitos pensar que Beyonce, Shakira e Gisele foram traídas, pois as pessoas acreditam que a beleza tem o poder de assegurar um matrimônio, porém, como toda paisagem que antes era de tirar o fôlego, é só tê-la como sua vista da sacada para enjoar-se, assim mesmo, o homem que se casa com a beleza logo se cansará dela e procurará uma melhor, enquanto que a mulher que se casa por ser bela, correrá a vida inteira para lutar contra sua extinção, desta vez, não com feitiços e maçãs, mas com botox e silicone.
A beleza, enfim nunca existiu para o benefício de quem a obtém além de oferecer apreciações passageiras que não lhe assegurarão nada verdadeiramente. Só resta dizer que a mulher mais bela do mundo morreu de depressão, sozinha em seu quarto. Ao passo que vemos tantas mulheres que não seriam consideradas as mais lindas tendo famílias bem sucedidas, conquistando altos postos na carreira e realizando-se. Você conhece uma e eu também.
Mas se esta é a realidade então porque ainda acreditamos que a mulher mais magra, de melhor pele e jovem é mais feliz do que nós? Porque aprendemos a idolatrar os itens da felicidade mas do que ela em si. Essa que vem com um caminho de auto aceitação e conhecimento foi trocada pela busca pelo corpo perfeito, o marido perfeito, a mansão. “Quando eu tiver aquele nariz”... “Se eu tivesse um homem assim, eu seria feliz”, dizemos. Colocamos a culpa de nossa infelicidade nas coisas que não possuímos ou somos quando o que anseamos está dentro de nós e é somente uma coisa: o poder de nos sentirmos bem conosco e encontrar sentido.
Mas assim como a madrasta, continuamos atravessando a floresta negra de nossas inseguranças em uma procura interminável, não por branca de neve, mas por nós mesmos, pelo anseio de nos sentirmos completos finalmente.
Enquanto não entendermos que a verdadeira beleza de branca de neve estava na sua bondade e carinho com 7 trabalhadores estranhos seremos para sempre como a madrasta que mesmo sendo a rainha daquele país, passava os dias procurando rugas em um espelho.
Notas
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2. Este quadro não tem como intuito rebaixar ou menosprezar qualquer autor ou obra, mas sim, de abrir um diálogo em prol da qualidade literária.