Pronto, nós temos o problema central e acabamos de modificar a rota da nossa protagonista, nosso trabalho agora é levá-la até o desfecho, no entanto, como faremos isso é o que determinará se nossa história será uma aventura instigante ou um tédio total. Você já imaginou se Elizabeth Bennet e Darcy ficassem juntos no primeiro dia? Ou se os vingadores derrotassem Loki com um soco? Não dá nem pra mensurar a chatice que isso seria né, pois são exatamente as dificuldades dos heróis em trabalhar em equipe, e os desentendimentos e rispas entre o casal que fazem da jornada deles algo que vale a pena acompanhar, afinal, o que é mais emocionante? Treinar anos para uma maratona e correr morrendo de sede e calor, quase esgotando suas forças, mas se esforçar e no fim conseguir ultrapassar a faixa e conquistar o primeiro lugar ou chegar e receber um prêmio de participação?
Maria encara a primeira dificuldade: como se locomover pelo estado inteiro em uma cadeira de rodas? Até que ela se lembra de um conhecido trapasseiro da cidade que organiza passeios em sua van. Ele, de um modo extrovertido e prático e ela, receosa e tímida embarcam então nessa viagem. Os impedimentos não precisam ser todos físicos, podem ser psicológicos ou sociais; Maria e o tal moço terão dificuldade em se entenderem, mas o desenvolvimento acontecerá a medida que eles forem conciliando suas diferenças. E depois de muitas dificuldades, Maria começa a perceber todas as coisas que ela pode ainda fazer em sua vida. Observem que o roteiro começa a responder uma pergunta inicial da personagem e isso é importante para que a trama pareça completar um ciclo que se comunica do início ao fim.
Maria, apaixonada por seu companheiro de viagem, está voltando a acreditar no amor, mas ainda em dúvidas se poderá conquistá-lo em razão de sua deficiência e eis que chega o momento crucial: eles estão prestes a descobrir o paradeiro do filho perdido de sua avó. Até que... Ela encontra a si mesma diante do túmulo do rapaz.
Branca de neve morde a maçã envenenada, o titanic está ruindo e os pombinhos estão entre a vida e a morte, Woody e Buzz precisam voltar pra casa mas vêem-se presos na casa do vizinho malvado... Percebem que toda boa narrativa chega á um momento em que parece não haver mais saída? E isto se chama clímax, ou o ponto alto de emoção; é quando a história coloca-se em um ponto crucial em que tudo construído até agora pode ser perdido ou enfim solucionado, o importante é levar o leitor á esse questionamento.
Imagine que você está vendo um corredor saltar obstáculos. Agora, imagine que você está vendo um corredor saltar obstáculos há uma hora. Bem, esta é a sensação que a narrativa dá ao leitor quando oferece dificuldades para os seus personagens enfrentarem uma após a outra, mas sem nunca levar ao ponto máximo ou ao climax. O truque então é aumentar as dificuldades, os conflitos internos, em uma crescente, aumentando assim a emoção e a expectativa de quem lê, até que chegue a hora da tão esperada colisão.
Um exemplo é o filme "Seven - os pecados capitais": começamos com o mistérios envolvendo os assassinatos e uma dupla de detetives que não se dá bem de início; com o passar da trama, os crimes vão se intensificando, ficando cada vez mais complexos e cruéis, ao passo que os dois começam a ter que resolver seus conflitos; o tempo vai escoando quando descobrem que faltam apenas três crimes e o último será o pior deles. Desesperados e correndo contra o tempo, os detetives vencem suas diferenças para capturar o assassino, quando para a surpresa de ambos: ele se entrega e promete mostrar a todos seu último crime. Quando chegam ao local, o criminoso mostra à um detetive a cabeça de sua mulher morta e revela que o último assassinato será cometido pelo oficial. Entre a ira pela morte da esposa e as consequências que isso lhe trará, o policial entra em conflito.
Este é um grande exemplo de uma estrutura bem feita.
Ao ver o túmulo do filho perdido de sua vó, Maria entra em conflito, sua missão estava perdida, assim como parece sua vida novamente. É também quando o trapaceiro lhe revela que já sabia da morte do homem, mas aceitou levá-la em troca do dinheiro. Ele se desculpa, dizendo que se apaixonara por ela e lhe devolve o dinheiro, mas ela já não quer mais ouvir. Seu mundo está morto novamente.
O amor conseguirá vencer a mágoa? Maria, lembrando de todas os desafios que enfrentou mesmo em uma cadeira, da alegria que sentiu por poder estar ativa, conseguirá voltar a viver?
Bom, esta é uma pergunta que deixo para vocês responderem. Meu trabalho, portanto, foi somente pavimentar o caminho. Ao final, é disto que se trata a estrutura, uma estrada, desenhada para levar á um caminho, atraente para que o leitor queira adentrar, cheia de desafios e perigos para que o instigue a continuar e com diversas rotas possíveis mas que levarão todas á um ponto em que não haverá retorno em que todas os lados pareçam estar fechados, até que de repente as paredes ruirão e logo se revelará um lugar totalmente novo.
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Notas
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2. Este quadro não tem como intuito rebaixar ou menosprezar qualquer autor ou obra, mas sim, de abrir um diálogo em prol da qualidade literária.
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