Há um tempo atrás, escrevi a respeito dos “romances HOT”, um gênero de histórias de amor que exploram o lado sexual explicitamente mas que estava tornando o sexo o protagonista e tema principal do enredo, caso o último acontecesse de existir, porém, apesar de crítica, minha análise mostrou somente o impacto que isso causaria para o mercado literário; Da parte do leitor, deixei-o em paz para curtir suas fantasias. Passado esse tempo, eis que me deparo com um video do canal “GABRITA OFF” (recomendo muito!), que me mostrou uma nova realidade: a de que os romances HOT criaram um filho, ainda mais preocupante e avassalador, os “DARK ROMANCES”.
Uma pesquisa rápida no whatpadd irá mostrar a imensa quantidade das histórias assim nomeadas, mas o que mais me chamou a atenção ao lado das capas de homens musculosos com máscaras de serial killers foram as sinopses: na mais lida, uma moça tem sua casa invadida por um maníaco encapuzado, outra é raptada por um mafioso, outra é entregue em casamento para um assassino, enredos que parecem vir direto de um filme de terror. As cenas não são menos chocantes:
Em uma das histórias, a moça recém casada é deixada em um porão sem comida ou água por dias e recebe abusos físicos e humilhações seguidas. Em todas os contos elas são estupradas, abusadas e privadas de sua liberdade. Um fato, no entanto, será o mais chocante: o perpetuador, agressor e agente por trás de tudo é o mocinho da história. Acontece que todas estas sinopses tratam-se de histórias de amor.
Como em uma inversão digna de BLACK MIRROR, a princesa apaixona-se pelo vilão.
É claro que explorar temas tão polêmicos iria colocar o gênero na mira de críticas; Muitos afirmam que o mesmo é noscivo aos leitores pois está glorificando os comportamentos que apresenta e influenciando-os a os aceitarem como normalidade, ao que os fãs rebatem, afinal, as mídias sempre mostraram cenas de violência em filmes blockbuster, em jogos eletrônicos, etc, assim, o leitor saberia utilizar seu senso crítico para separar a fantasia da realidade. A escritora Caroline Fawley, autora de diversos romances do gênero, avisa no início de suas obras sobre o conteúdo de suas histórias com vários disclaimers sobre a idade indicada. Segundo ela, os livros dark apenas são criticados por ter conteúdo sexual explícito o que seria ainda um tabu em nossa sociedade.
Sim, o cinema está repleto de exemplos de violência e extremismo, no entanto o erotismo também não é novidade, afinal a literatura erótica existe, tanto quanto cenas de sexo em filmes diversos, o problema, ao meu ver, não está em descrever cenas assim, mas na distorção do seu significado, isso ocorre quando pegamos um objeto ou ação e mudamos o que ele representa para as pessoas. Um exemplo prático disso são as conhecidas seitas, comunidades que fazem com que seus membros ajam de forma muitas vezes agressiva e perigosa até para si mesmos. E como conseguem isso? Revertando o significado do que antes era conhecido por eles. A famosa seita NXIVM da atriz de SMALVILLE iniciou como um grupo para mentoria profissional e ao fim de seu escândalo mulheres estavam sendo estupradas e marcadas na pele como gado; Anos de gravação de palestras e discursos do mentor foram revelados: entre falas aparentemente inocentes ele descontruía o significado do estupro, pois ensinava que tudo o que acontecia de ruim para nós era porque interpretávamos assim quando na verdade servir o corpo para o prazer de alguém era um ato de altruismo.
Para o romance Dark, ser privada do direito de ir e vir não é opressão mas cuidado, afinal, o parceiro a valoriza tanto que não suporta que ninguém mais a queira e isso não é egoísmo mas um elogio a beleza da mulher. Essa mesma beleza, a culpada pelas atitudes do homem, se ela não fosse tão desejável ele não a sequestraria ou a abusaria, ao fim, a culpa é dela. A protagonista aceita seu destino, suportando todos os abusos, crendo que ao fim tudo ficará bem, e ao final, ambos, ela e o leitor são recompensados com um feliz desfecho.
É um processo lento, vagaroso que destrói e constrói conceitos novos na mente e a pessoa sequer é capaz de perceber a mudança. Talvez, uma geração mais madura não tenha esse impacto mas o que dizer de meninas que acabaram de entrar na adolescência, fase em que estão construindo sua moral? Todas essas novas interpretações terão um impacto em como a jovem enxergará os relacionamentos ou buscará se sentir neles; Toda a emoção e adrenalina que sentia ao ler ela desejará que seja replicável na realidade. Quantas de nós não fomos impactadas com a visão romântica de novelas e filmes da disney do romance ideal, da metade da laranja? Provavelmente, essas crenças estão tão enraizadas em você que sequer percebe de onde vieram, mas um dia elas foram implementadas. Da mesma forma, estes romances ensinam jovens que o amor, ao invés de uma troca mútua de sentimentos, é ser desejado, e quão mais intenso o desejo do outro sobre você, mais desenfreado e sufocante, mais paixão ele demonstra.
Notas
1. Essa coluna está protegida pela lei nº 9.610/1998, Art. 46 III, que protege a utilização de qualquer obra ou trechos dela, em qualquer mídia ou meio de comunicação para fins de crítica, estudo, ou polêmica.
2. Este quadro não tem como intuito rebaixar ou menosprezar qualquer autor ou obra, mas sim, de abrir um diálogo em prol da qualidade literária.
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