PENSANDO ALTO - O QUE ACONTECEU COM O PRÍNCIPE ENCANTADO?




“Não existe o principe encantado”. Essa é uma frase que ouvimos e dizemos sempre, no entanto, nunca dita de forma racional, de alguém que avaliou os fatos e concluiu algo, mas sempre carregada de ressentimento e desesperança daquele que, no fundo, espera estar errado, para logo ouvir o relinchar do cavalo branco a virar a esquina. Assim, mesmo após milhares de anos da inexistência de cavalheiros, ainda esperamos para que um invada nossa janela e nos resgate de uma vez.

E a prova disso, é o estrondoso sucesso dos “galãs modernos”, os protagonistas das histórias românticas que estão apaixonando milhares de moças ao redor do mundo inteiro, arrecadando bilhões em livros e filmes. Somente Christian Grey, o galã do best seller “50 tons de cinza”, rendeu mais de 95 milhões para sua autora. E isso só evidencia o poder de sedução desses mocinhos. Porém, não é difícil perceber que desde o principe Eric com seu cavalo branco, muita coisa mudou no perfil do protagonista; Não temos mais o cavalo, agora são ferraris vermelhas; nem o famigerado castelo, e sim, a mansão em malibu, mas, acima de tudo, já não temos mais o herói que salva a mocinha, ao invés, ele a prende ou a espanca para satisfazer seu prazer. Afinal, o que aconteceu com o príncipe encantado?



Beijar uma mulher adormecida, escolher uma esposa pela beleza, salvá-la do dragão feroz. Há algumas décadas, estas atitudes começaram a ser questionadas por diversas fontes de estudos sociais e ideológicas, como o feminismo. De acordo com eles, isso perpetuava uma visão patriarcal e machista de que a mulher necessitava ser salva e devia viver para o marido, e portanto, era preciso descontruí-la com narrativas em que mulheres tivessem cada vez mais protagonismo e não precisassem de homens. Desde então, Hollywood tomou a frente e de “Branca de neve”(1937) até “Frozen” (2013), muita coisa mudou.

Até que a literatura jovem começou a alcançar um público considerável e atrair produtores. “Crespúsculo” foi um grande hit mundial e abriu as portas para mais tramas adolescentes, porém, o que chamou a atenção da crítica foi a dinâmica de Bela e Edward: o mocinho apresentava um comportamento surpreendentemente dominante, protetor e obcecado, ante uma mocinha sem expressão nenhuma, disposta a dar a própria vida pelo vampiro. Submissão essa que chegou ao seu nível mais concreto no outro grande sucesso, “50 tons de cinza”, com um Christian Grey controlador, redigindo seu contrato com o chicote na mão. Isso alarmou a mídia, mas não tanto quanto os números animaram os estúdios, e então, a internet passou a ser a nova fonte de inspiração para futuros blockbusters. “365 DNI”, “AFTER”, “BARRACO DO BEIJO” e “ATRAVÉS DA MINHA JANELA”, vem sendo os sucessores exitosos dessa nova onda de romances. E todos eles têm a mesma coisa em comum: o protagonista.




Bem sucedidos, ricos e de uma beleza divina, eles possuem o poder e influência sobre todos à sua volta, inclusive sobre a mocinha, a qual procuram controlar cada aspecto de suas vidas. De perfis dominantes e agressivos, exigem extrema fidelidade, ainda que não retribuam da mesma forma e muitas vezes mostram-se alheios aos sentimentos da garota, a encarceirando ou usando-a para seu bel prazer. E aqui é o momento em que todos classificamos este arquétipo como o famoso “boy lixo”, chamamos as fãs de loucas e seguimos com a vida, certo? Mas, se analisarmos bem a questão, descobrimos algo incrível: isto nada mais é que a clássica incorporação do príncipe encantado.

Vejam, acontece que todo esse comportamento extremo sempre é explicado como a consequência de um trauma ou ferida sofrida pelo protagonista e que caberá á mulher curá-la. Ou seja, o moço infeitiçado, desta vez, não por uma bruxo, mas pelo medo de amar e pelas relações casuais, que é liberto e trazido para uma relação monogâmica, no fim, resgatando a mocinha de uma vida chata e sem propósito para uma cheia de glamour na mansão em Nova York, regada à paixão e muito sexo, focado no prazer feminino. É evidente perceber, desta forma, que o príncipe ainda e mais do que nunca perpetua o imaginário feminino, que suspira enlouquecido em cada página ou cena.



O problema é que mundo já não é o mesmo da época dos contos; A mulher já não precisa mais do homem para assegurar-se, hoje elas dominam cargos de chefia, grandes empresas e são chefes de família; A mídia constantemente promove um comportamento cada vez mais competitivo e promíscuo nas mulheres, ironicamente, mais masculino, chamando isto de verdadeira feminilidade. O desejo por proteção que está no âmago feminino é rechaçado como sendo “machista e retrógrado”, fazendo com que as mulheres retraiam seus instintos naturais por cumplicidade e engajem em relações sem compromisso.
É quando a mulher empoderada entra em conflito com seus desejos naturais, que não devem ser aceitos nem expressos em sociedade. E é na literatura que ela consegue dar vazão a isso.

Vejam, é importante para a mulher reconhecer no parceiro a capacidade de protegê-la, mas, como o principe pode demonstrar sua coragem? Não há mais dragões a derrotar em um mundo confortável em que a mulher pode conquistar tudo, assim é que, a força e agressividade devem ser demonstradas nos gestos e na forma como ele consegue controlar todos à sua volta; Igualmente, a beleza e as qualidades chegam ao nível da perfeição, pois a mulher se atrai pelo o que admira; No entanto, em uma sociedade de forçosa igualdade, em que as diferenças são rechaçadas e o sucesso masculino é visto como uma oposição ao feminino, não há espaço para admiração, somente competitividade; Ou como perpetuar o compromisso eterno que a alma feminina anseia? Já não temos o casamento no fim do conto, hoje as relações são casuais e liquidas. O galã, então, demonstra um perfil dominante e controlador, para indicar sua posse sobre ela, preenchendo a necessidade dela de pertencimento.



Ou seja, estes protagonistas nada mais são que a personificação de um desejo reprimido e, muitas vezes, sequer entendido por essas mulheres, e quanto mais elas buscam esconder isso na vida comum, mais recorrem á literatura para realizarem-se, ao passo que começam a construir uma imagem de homem que não corresponderá à realidade dos indivíduos masculinos, cada vez mais sensibilizados pelo mundo moderno feminino e, decepcionadas novamente voltarão aos livros e web histórias, criando uma retro alimentação. Para as mulheres, é um efeito devastador que as condena à um mundo paralelo em que nunca satisfarão seu desejo de cumplicidade e amor e, para os homens, já mortificados pelas ideologias que os chamam de opressores, exigindo um comportamento mais feminista e sensível, terão que competir agora com Christian Grey e Hardin Scott que simplesmente não se importam com o movimento “meu corpo minhas regras” e ainda assim, tem mais corpos na cama que os homem comum.

Portanto, após décadas e décadas de feminismo, diversos filmes com protagonistas mulheres exacerbando seu poder e força e universidades, empresas e cargos políticos cada vez mais ocupados por elas, ainda sim, quando deixada sozinha e livre, a alma feminina demonstra que ainda sonha com o príncipe encantado. O que estes movimentos fizeram, portanto, foi apenas oprimir e confundir esse desejo, ao ponto de o misturar ás aparências de dominação e subjugamento, quando sempre se tratou apenas do mais básico anseio humano: ser amado.

E é quando enfim entendemos isso que percebemos que nunca quisemos um principe encantado, somente alguém que goste de nós de verdade e nos aguente nos momentos difíceis, não alguém que nos tire da torre, mas que nos resgate da tristeza para nos levar à um pensamento positivo, nos encarcere dentro de seu coração e mate conosco os dragões de cada dia. 




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Notas 

1. Essa coluna está protegida pela lei nº 9.610/1998, Art. 46 III, que protege a utilização de qualquer obra ou trechos dela, em qualquer mídia ou meio de comunicação para fins de crítica, estudo, ou polêmica.
2. Este quadro não tem como intuito rebaixar ou menosprezar qualquer autor ou obra, mas sim, de abrir um diálogo em prol da qualidade literária.

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