PENSANDO ALTO - O QUE ACONTECEU COM A PRINCESA?: E PORQUE AS MULHERES ESTÃO SOLTEIRAS!


“Espelho, espelho meu”, pergunta a rainha má ao refletor dourado, “tem alguém mais bela do que eu?”.  “Você é a mais bela”, ele responde, em tom retumbante, “porém, Branca de neve é mil vezes mais bela”.

Quem de nós já não sonhou em ser uma princesa? Lindas, virtuosas e com a voz de anjo que atraía os ouvidos do príncipe na floresta encantada; quando ele a via, caia de joelhos diante tamanho encanto e tudo o que lhe restava fazer era jurar seu amor e levá-la para seu castelo. Ser uma princesa, portanto, significava carregar em si todos os atributos que lhe garantiriam as duas coisas que compunham a felicidade feminina: o amor e a estabilidade financeira.




E hoje, mesmo após anos da conquista da mulher em sociedade, em que elas não somente sustentam a si mesmas como sua família, ainda assim, a fórmula da felicidade continua sendo a mesma; E isso fica evidente quando olhamos para as histórias que estão fazendo sucesso com o público feminino atualmente, gerando bilhões ao redor do mundo e milhares de fãs enlouquecidas; Seus enredos sempre falam de uma menina simples que é encontrada por um rapaz jovem, belo e muito rico. Em “365 Dni”, por exemplo, a protagonista, antes uma mulher independente, deixa tudo para viver com o mafioso milionário que a raptou. Assim como em “Cinquente tons de cinza”, a vida de Ana, uma pobre universitária, muda para sempre quando casa-se com o bilionário masoquista. Assim, a mulher ainda espera por encontrar o amor verdadeiro e com ele constituir um lar seguro. Mas, apesar do objetivo ser o mesmo, há uma grande diferença entre a protagonista clássica e a atual que acredito simboliza um grande problema, não só na literatura, mas em nossa sociedade.

Branca de neve atraiu a ira da madrastra, pois por todo o reino não havia mulher mais bonita do que ela; podem imaginar então a reação do principe ao encontrar uma mulher de beleza tão rara que permanecia linda mesmo depois de morta e saber que sozinha cuidava de 7 homens trabalhadores. Cinderela, apesar do mal que suas parentes faziam com ela, nunca deixava de cuidar da casa e mantinha seu coração puro e seus modos refinados, além de ter uma beleza arrebatadora, sem contar bela adormecida que foi presenteada com os dons de nada mais nada menos que 12 fadas.

O que podemos dizer, no entanto, de Bella Swam, Ana Steel ou de todas as mocinhas dos romances atuais? Não seriam notadas em um corredor com 3 pessoas, quem dirá serem perseguidas por um caçador, pois nada nelas chama a atenção. Nenhuma delas possui uma beleza que se destaque ou inteligência aparente. Não são charmosas, nem carismáticas e seu humor nunca chega a ser engraçado, senão ranzinza e sarcástico, sempre lamentando-se de sua vida e aparência. Não possuem sonhos, objetivos, nada que lhes dê sentido. Ou seja, não existem atributos, sequer valores, elas nada pensam ou sentem para si mesmas. Todo o valor empregado á ela vem somente do fato de estarem com este galã, do qual a vida delas passa a girar em torno completamente.

Bela adormecida não possui mais seu canto enfeitiçador, nem Cinderela sua bondade, agora são instagramers que vivem na casa da mãe e comem bolacha o dia todo.

E a razão disso está difundida no conceito, inciado há uma década atrás, de que as princesas representavam um padrão inatingível demais, provindo das exigências de uma sociedade machista e autoritária; a moral, a ética e até mesmo a beleza, eram sistemas para a escravização da mulher. Apartir daí, diversas campanhas foram feitas para redefinir este perfil pela representação da “mulher real”, afinal, a beleza estava em aceitar-se como se é. A ideia de beleza, virtude, foram totalmente rechaçadas e relativizadas, em outras palavras, a mulher deste século pode ser como for, gorda, sem valores, promíscua, ai de quem julgar, e ainda sim merecer a admiração de toda a sociedade.

Mas o que acabamos por esquecer em meio a este processo é que estas vigências não se tratam apenas de mandamentos de uma humanidade autoritária, mas o modo pela qual seus membros encontram e buscam valor. Somos feitos de um processo evolutivo, em que aquele que tinha as melhores características, como força, resistência, tinha mais chances de se reproduzir; desde a concepção, o espermatozoide disputa com milhares de outros para nascer e da decisão de uma compra em uma loja à de uma contratação de um funcionário, estamos sempre nos avaliando e medindo, em busca das melhores chances de sucesso. Podemos discutir se os parâmetros que usamos são os mais adequados, mas nunca iremos destruir o processo que faz parte da alma humana e é necessário para garantir que ela sempre avance.

E se discorda, é só se perguntar, qual dos dois você gostaria que fosse o médico que irá operá-la? O melhor aluno da classe ou o pior? Você aceitaria que todos os engenheiros de uma faculdade passassem sem qualquer critério, sabendo que um dia serão eles que construirão seu prédio? Nós precisamos do sistema de valor, porque somos beneficiados por ele. Sendo assim, não poderíamos esperar que existiriam critérios também para a escolha na vida amorosa, simplesmente uma das mais importantes escolhas que tomamos na vida? E a prova disso são mesmo estes romances, no qual o homem principal está sempre no topo da cadeia alimentar. Sempre o mais belo e bem sucedido entre os homens e o cara por quem elas se apaixonam. Coincidência? Evidente que não.



O problema é achar que cabe somente às mulheres exigir o melhor em seus relacionamentos. Quer dizer, do homem é requerido o corpo de um personal trainer, enquanto que a mocinha passa o tempo todo comendo doritos e reclamando das estrias; Ele é dono de uma empresa bilionária, enquanto que ela nem o vestibular pensa em prestar; Eles são corajosos, inteligentes, verdadeiros deuses, elas são mais desinteressantes que a narração de uma partida de dominó.

A problemática é clara: Estamos ensinando à milhares de mulheres que elas merecem absolutamente o melhor, sem serem necessariamente as melhores. Esperam pelo príncipe, mas não se preocupam em serem princesas.

E é claro que a realidade não é assim, razão da qual encontramos tantas mulheres frustradas, refugiando-se na literatura, o lugar em que mesmo sem quaisquer atributos, são capazes de atrair a atenção do multimilionário que tem a modelo de 20 mais gata apaixonada por ele, mas quer mesmo a garçonete de 30, cheia de celulite, ranzinza, com 3 filhos e cabelo oleoso. Resto só dizer que o Harry Styles que canta “você se espreme pra caber no jeans, mas é perfeita pra mim”, namora Taylor Swift e Kendall Jenner. E quão mais frustradas estas leitores estejam, mais precisarão de mocinhas cada vez mais neutras e sem graças para que não se sintam ameaçadas por suas qualidades e continuem a manter sua ilusão.

Nem todas as mulheres podem ser princesas, é óbvio, porque principes e princesas não são criados para representar a realidade, mas para serem a representação de um ideal, inspiração ante o máximo exemplo de virtude. Mas, quando retiramos esse ideal, criamos uma geração sem valor próprio que buscará essa valorização no outro, razão da qual criam expectativas tão altas em seus relacionamentos, e terminam frustrados.

Antes, as protagonistas serviam de inspiração para sermos mulheres melhores, de valores estimados e bem cuidadas, hoje, em pleno auge feminino, elas reduziram-se a mero ponto de vista, do qual a leitora utiliza-se para imaginar-se em um relacionamento com o homem dos sonhos. Queremos estar no lugar delas, não ser como elas. E onde não há admiração, mas inveja, não há espaço para melhoria, e onde só há fantasia, não existe e nunca poderá existir realidade.



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Notas 

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2. Este quadro não tem como intuito rebaixar ou menosprezar qualquer autor ou obra, mas sim, de abrir um diálogo em prol da qualidade literária.

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